quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Eu conto: "O último dos gordos" - Parte 1 de 5

Era o quinto dia do oitavo mês do trimilésimo cinquentésimo segundo ano. Ou simplesmente 05 de agosto de 3052. Tinha vontade de abrir a janela, passar pela porta, conhecer outras cidades, mas Baco mal conseguia sair de casa, quiçá de Esbeltópolis. A cidade, que antes era conhecida como Santo Agostinho de Carcumel, ganhou esse nome após ter conseguido com que todos (ou praticamente a maioria) de seus cidadões estivessem abaixo ou cumprindo a meta de seu peso ideal. Baco fazia parte da minoria da cidade; na verdade, era o último dos considerados obesos.

Vale a pena saber um pouco do histórico de Baco com a cidade. Há tempos, quase ninguém se importava do homem não atingir seu peso ideal. Na verdade, ele nem seria considerado um obeso se vivesse nos anos 2000 ou antigamente. Estaria somente acima do peso, com alguns quilos a mais. Porém, numa cidade em que todo mundo encontra-se rigorosamente dentro de seu peso ideal ou abaixo (e diga-se de passagem bem abaixo) do mesmo, a barriga a mais de Baco se tornara um barrigão.

Abreu (o primeiro dos três sobrenomes de Baco) tinha amigos que o acompanhavam desde os tempos do colégio. Pedrão, Diegão e Thiagão eram três exemplos de indivíduos que após passarem um pouquinho de seu peso habitual, entraram em uma dieta rigorosa, ao contrário de Baco. Desde então viviam sendo chamados de Pedrinho, Dieguinho e Thiaguinho (ou sem "inhos", por favor). Eram eles quem atualmente traziam comidas e bebidas à Baco, pagavam suas contas, consertavam seus eletrônicos, etc... Tudo devido à nova regra imposta pelo prefeito de Esbeltópolis, o exemplar Sr. Ramiro Penteu. Cabe contá-la daqui a pouco, caro leitor... Antes explicarei o porquê do surgimentos das regras e quando o excesso de peso de Baco torna-se uma obesidade mórbida aos olhos dos outros.

Pois então, Esbeltópolis estava prestes a ganhar o signo máximo de "Cidade Perfeita", inclusive com a possibilidade de ter seu nome modificado para Perfeitópolis. A cidade seria coroada por ter a maior percentagem de habitantes saudáveis por quilômetro quadrado. Eis que surge a cidade vizinha, Pontífica Sumarina, em que todos estavam alcançando o peso ideal. E lá não havia sujeitos como Baco. Eram todos mesmo alcançando seu status de magreza. Os idealizadores do "concurso" resolvem dar um tempo máximo de seis meses para que seja feita averiguada ambas as cidades e seja escolhida a nova Perfeitópolis.

O prefeito Penteu fica furioso ao saber do estado de Baco e, facilmente, consegue apoio de quase toda a população de Esbeltópolis para resolver a situação. É um tal de gente querendo mandar Baco morar em Pontífica Sumarina, outros querendo simplesmente que ele emagreça e outros pensando já em se mudar para a cidade concorrente... Ramiro resolve conversar com o habitante do contra, sem sucesso. Desconfortado, cria a rigorosa "Lei Perfeita".

Tal Lei ordena que:

Art. 1 - Todos os mercados e lanchonetes estão proibidos de vender qualquer tipo de comida calórica para o Sr. Baco Abreu Marcondes Sá.

Art. 2 - Todo o comércio têxtil está proibido de vender qualquer tipo de roupa para o Sr. Baco Abreu Marcondes Sá.

Art. 3 - Todas as bibliotecas estão proibidas de vender livros para o Sr. Baco Abreu Marcondes Sá, com exceção dos que apresentem conteúdo construtivo para a redução de peso do mesmo. Tal medida é adotada para que o homem evite atividades de pouco movimento como a leitura.

Art. 4 - Está proibida qualquer tipo de comunicação sonora ou visual com o Sr. Baco Abreu Marcondes Sá, sendo incluídos hologramas ou ainda a utilização de velhas técnicas como a telefonia, seja ela fixa ou móvel.

Art. 5 - Qualquer cidadão que encontre o Sr. Baco Abreu Marcondes Sá pela cidade deve imediatamente forçá-lo a alguma atividade física, de forma a serem beneficiados aqueles que resultarem em perda de peso do indivíduo.

A partir deste dia, todos (com exceção dos três amigos) viam no emagrecimento de Baco a fórmula da felicidade. Para muitos, o título de Cidade Perfeita era uma oportunidade de crescimento para a cidade, já que haveria mais investimento por parte do governo, mais turistas e consequentemente mais empregos; mais estabelecimentos e consequentemente mais empregos e por aí vai... Para Baco, sua gordura era algo incômodo. Ele queria emagrecer, sim. Todos querem. Mas não conseguia... Tentara várias vezes, mas nunca conseguiu e odiava quando o forçavam a algo.

Diante de tamanha pressão, de ter sua liberdade extraída e sua sobrivivência ameaçada, Baco começou a pensar no que faria.




CONTINUA...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Day 3 — Your parents (seus pais)

Não me chamem de frio ou insensível, mas nunca fui muito ligado aos meus pais. Ao meu pai por falta de tentativa, à minha mãe, talvez por excesso delas.

O fato é que um divisor de águas aconteceu na minha vida no dia 8 de maio de 2004, data esta em que oficialmente meus pais descobriram minha opção sexual. Na época, somente três amigas minhas sabiam do fato e sempre concordamos que meu pai não aceitaria, mas isso talvez me unisse mais à minha mãe. Nunca me decepcionei tanto...

Agradeço ao meu pai por desde aquele dia ter feito da nossa relação um pouco mais fácil. Aos que não sabem, eu pouco falava com meu pai. E aceitou numa boa o fato de eu ser gay, resultando numa das cenas mais lindas que já vivencei, digna de qualquer filme dramático ou novela do Manoel Carlos... Bem do jeito que eu gosto.

Você, mãe, me recebeu com palavrões, tapas, raiva e um cuspe na cara que nunca irei esquecer. Nunca, nunca mesmo irei esquecer também que você me preferia ladrão, assassino, doente do que gay. São coisas que marcam.

As coisas nunca vão melhorar e eu sei disso. No fundo, queria que melhorasse... Queria trazer meu namorado aqui para um almoço de família assim como minha irmã faz com o namorado dela; queria deixá-lo entrar em casa num dia de chuva e muito frio, mas nem isso posso; queria que fossemos juntos ao shopping, ao cinema, no restaurante. Não sonho com o dia em que vou beijá-lo na sua frente. Até eu mesmo não desejo isso e não o faria nem que fosse com uma garota... Não beijo em público nem em parada gay com receio de alguma criança ou idoso ver. Você me educou assim, mãe...

Imagino que essa seja uma carta em vão assim como várias outras. Vocês não teriam forma de chegar aqui, e acredito que nunca leiam mesmo. Mas se um dia acabarem lendo, pai e mãe, saibam que eu os amo, independente de tudo. Só tenho vergonha ou medo de falar isso. Talvez me arrependa por isso quando vocês se forem, mas enfim...

Sem mais.

domingo, 15 de agosto de 2010

Day 2 — Your Crush (sua paixão)

Meu amor,

Não me canso de dizer o quanto eu te amo e o quanto, principalmente, sou grato por ter você na minha vida. Você apareceu no momento de maior dor que tinha experimentado, em que eu precisava de carinho, de alguém, e (fui eu saber depois) de você.

Acho que esta carta é pra ti, e somente pra ti. E por isso mesmo, escrevo como se estivesse do seu lado, dizendo pouco por não ter o que dizer, e sim expressar.

Taurinos não se apaixonam fácil, mas quando isso acontece, fazemos com que dure o maior tempo possível. Não quero isso com você. A ideia de maior tempo, pra mim, é a de que vai durar muito, mas um dia vai acabar. Tempo maior.

Com você não quero tempo, não quero medidas. Quero MESMO que seja eterno, mesmo que isso acarrete a nos vermos velhos e broxas e enfim... existe vibrador pra isso! =p

É, amor, você me ensinou a rir novamente, a pensar no futuro e viver o presente. Você me transformou em um homem descolado e atualizado musicalmente. E por falar em música, não é só "Bwana" e "Pra você guardei o amor" que me fazem lembrar de você. Tudo me remete à você.

Por tudo, obrigado.
Te amo. Sem mais.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Day 1 — Your Best Friend (seu melhor amigo)

Quando me perguntam se tenho muitos amigos, confesso aqui que sempre minto: Respondo que sim. A verdade é que sempre me achei cercado de amigos, rodeado de pessoas que me amam, o centro das atenções. Eu, na verdade, fui o elo de vários grupos no meu colégio. Minha ilusão foi a de que isso me faria ter todos os componentes de todos os grupos como amigos meus. Não foi isso que aconteceu...

Não acho que eu tenha muitos amigos. Tenho poucos e bons e eles sabem quem são, ou ao menos espero que saibam. Mas tem uma, e apenas uma - e aí peço desculpa aos poucos e ótimos amigos que tenho - que se destaca, que é a minha estrelinha guia, minha metade da laranja, do abacaxi e do limão.

Não sei se ela sabe, acho que imagina. Até porque a sintonia é síncrone. Ela sabe o que eu sinto, eu sei o que ela sente, sempre foi assim e sabemos que sempre será. Não são necessárias palavras ou muitos gestos porque com um simples olhar já nos comunicamos. Transcende, explode, paira no ar.

Com ela saem as brincadeiras mais bobinhas e inocentes, mais estúpidas, mais grotescas, porém as mais emocionantes também. Foi ela quem me viu chorar pela primeira vez (quando eu ainda NÃO conseguia chorar em público), foi ela quem me deu o primeiro beijo, foi ela que me deu residência quando eu saí de casa (mesmo que por poucos dias) e por aí vaí...

Já brigamos, logicamente, mas não muitas vezes. E das poucas ocasiões, nenhum sentimento ruim resta. Não jogamos nada das mágoas passadas na cara do outro, não guardamos ressentimentos, só guardamos o nosso bem-nutrido amor.

Ela foi minha primeira namorada e isso fez com quem eu nunca a deixasse de amar. Simplesmente agora é um amor diferente, acredite... um amor bem mais sincero e mais forte.

Ela é meu trem, e ela sabe o porquê disso.
Ela é minha Yani.

30 Days Letter Project

Hoje começo um projeto que muito me interessou depois que vi nos blogs da Isis, da Lalá e da Fernanda. O mesmo se chama "30 Days Letter Project" e aos que entendem inglês nem explicação faz-se necessária.

Em todo caso, basicamente são 30 cartas endereçadas à uma única pessoa ou grupos já estabelecidos diariamente. A lista abaixo explica por si mesmo:

Day 1 — Your Best Friend (seu melhor amigo)
Day 2 — Your Crush (sua paixão)
Day 3 — Your parents (seus pais)
Day 4 — Your sibling (or closest relative) (seus irmãos ou parentes próximos)
Day 5 — Your dreams (seus sonhos)
Day 6 — A stranger (um estranho)
Day 7 — Your Ex-boyfriend/girlfriend/love/crush (seu ex-namorado/amor/paixão)
Day 8 — Your favorite internet friend (seu amigo da internet favorito)
Day 9 — Someone you wish you could meet (alguém que você gostaria de conhecer)
Day 10 — Someone you don’t talk to as much as you’d like to (uma pessoa que você não conversa tanto quanto gostaria)
Day 11 — A Deceased person you wish you could talk to (uma pessoa falecida com quem você gostaria de conversar)
Day 12 — The person you hate most/caused you a lot of pain (a pessoa que você mais odeia/que te causou muita dor)
Day 13 — Someone you wish could forgive you (alguém que voce deseja que te perdoe)
Day 14 — Someone you’ve drifted away from (alguém que você se afastou)
Day 15 — The person you miss the most (a pessoa que você mais sente falta)
Day 16 — Someone that’s not in your state/country (alguém que não está no seu estado/país)
Day 17 — Someone from your childhood (alguém da sua infância)
Day 18 — The person that you wish you could be (a pessoa que voce deseja ser)
Day 19 — Someone that pesters your mind—good or bad (alguém que rode sua mente - pro bem ou mal)
Day 20 — The one that broke your heart the hardest (a pessoa que quebrou seu coração da pior maneira)
Day 21 — Someone you judged by their first impression (alguem que voce julgou pela primeira impressão)
Day 22 — Someone you want to give a second chance to (alguém pra quem voce deseja dar uma segunda chance)
Day 23 — The last person you kissed (a ultima pessoa que você beijou)
Day 24 — The person that gave you your favorite memory (a pessoa que te deu a sua memória favorita)
Day 25 — The person you know that is going through the worst of times (a pessoa que você sabe que vai estar ao seu lado nas piores horas)
Day 26 — The last person you made a pinky promise to (a ultima pessoa pra quem você fez uma promessa)
Day 27 — The friendliest person you knew for only one day (a pessoa simpática que você conheceu só por um dia)
Day 28 — Someone that changed your life (alguém que mudou a sua vida)
Day 29 — The person that you want tell everything to, but too afraid to (a pessoa pra quem você tem vontade de falar tudo, mas tem medo de)
Day 30 — Your reflection in the mirror (seu reflexo no espelho)


Interessante, interessante...
Que comece o mesmo, e já aviso que vem confissões por aí...

"Meias Verdades" - Continuação.

Continuarei a história; só para informar.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

"Meias-Verdades" - Capítulo 11: "Sexo"

Os corpos se abraçavam. A língua da mulher percorria o peitoril musculoso do homem, que por sua vez pegava com força o cabelo longo da acompanhante. Os braços da morena de cabelos longos envolviam as costas do rapaz à sua frente. Suas bocas agora quase se encostavam, enquanto barriga, ombros e braços já se conectavam como imãs que eram. As belas e longas pernas dela cruzavam as peludas e grossas pernas dele. Não era preciso muito esforço. Ambos se enroscavam como chave e fechadura, como o oco e o eco. A linda mulher gemia de prazer enquanto mexia-se lentamente sobre a região que considerava a mais doce do rapaz. Seus cabelos caíam formando uma cortina ao redor de seu corpo esbelto e esculpido cuidadosamente pelo arquiteto mais generoso que já tivera existido em qualquer tipo de vivência. Era Alice.

Jorge se contorcia diante do banco de seu carro. Queria abrir os olhos, mas não conseguia. A cena era muito nítida.

Alice subia e descia no corpo do homem, que agora estava deitado sobre a cama de casal. Os movimentos eram jocosos e os corpos não se desgrudavam por um segundo sequer. Pareciam estar em sintonia. A mulher de repente desce seu corpo e vai delicadamente até o ouvido do parceiro. Ao invés de um romântico "Eu te amo", as únicas palavras que saem da boca da morena são outras.

- Mete tudo! Isso... Vai!

O homem pareceu não se surpreender. A obscenidade fez com que ele se renovasse e aumentasse sua força diante da mulher.

- Mais forte, mais forte! Você sabe como eu gosto, não sabe?

A sincronia entre os dois agora era mecânica. Os corpos pareciam trabalhar como máquinas, envoltas em um processo de produção individualista baseado nas idéias do Taylorismo. Cada um fazia sua parte e o prazer dado era o mesmo prazer recebido. Era, literalmente, colher o que havia plantado...

Jorge não queria lembrar daquele momento. Tantas cenas de Alice para lembrar, e justo aquela lhe percorria a mente. Seus olhos não abriam, queria sair daquilo antes que chegasse ao final do ocorrido.

A mulher agora estava de bruços e o homem deitado por cima de seu corpo. O ritmo agora ia desacelerando, e a feição do rapaz era de extremo vigor e satisfação própria. Estava satisfeito e não pensava em mais nada além do jato de cansaço que havia semeado há pouco. Virou-se e deitou-se ao lado de Alice. Não pensou em se cobrir, nem em ir ao banheiro para se limpar. Homem e mulher se olharam e antes que qualquer um dos dois pudesse dizer algo, foram surpreendidos pela porta que ia se abrindo.

Jorge agora se via na cena. Não estava deitado na cama ao lado de Alice, mas sim abrindo a porta e flagrando a mulher deitada com outro em sua cama.Nunca havia desconfiado, e por infortúnio da vida, havia saído antecipadamente de seu estúdio fotográfico. A visão atingiu-lhe o coração e fez com que o fotógrafo ficasse desamparado e revoltado com tudo. O quarto estava girando e não sabia se não queria ou não podia acreditar no que estava vendo. Sua amada Alice estava deitada na cama ao lado de seu melhor amigo, Carlos.

Parecia uma lembrança proposital da mente do homem. Ele agora acordara, agoniado pela má lembrança que tivera. Foi a partir desse dia que Carlos tornou-se o vilão de sua própria história...


[CONTINUA...]



Por Pedro Henrique Castro.



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"Meias-Verdades" - Capítulo 11:"Preconceito e Hipocrisia"

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

"Meias-Verdades" - Capítulo 11: "Preconceito e Hipocrisia"

A reação dos dois era de estranheza. Tanto da parte de Alberto quanto da parte de Cristina, o questionamento fez-se presente. O silêncio foi cortado depois de alguns segundos.

- Oi, eu gostaria de falar com o Jorge.
- Ele não está! Posso avisar à ele que você veio aqui.
- Não, não precisa. Eu passo mais tarde, ou talvez amanhã...
- Ele não deve voltar nem hoje, nem amanhã... O Jorge viajou!
- Ah... Não sabia.
- É, foi pro Rio de Janeiro...
- Ah, vim chamá-lo para... bom, esquece!
- Qual seu nome?
- Cristina.
- Eu dou seu recado, Cristina... Você ia chamá-lo para...
- Nada demais! Eu espero até que ele volte - respondeu uma desanimada Cristina.



A cabeça de Jorge doía. Saía sangue de seu supercílio, de seu nariz e de um dos cantos de sua boca. O corpo todo estava dolorido e lhe produzia uma forte dor de cabeça. Um dos três motoristas saíra de seu carro impaciente, já gritando palavrões ao fotógrafo. Crianças de dentro do carro, provavelmente os filhos do homem, olhavam assustados para o nervoso pai que pelos gestos parecia estar instigando uma briga no meio da rua. A motorista do outro carro encontrava-se parada diante do volante, desacordada. Jorge foi até o carro para ver se a mulher estava em boas condições, e por sorte, constatou que o caso não devia ser demasiadamente sério. Em segundos, seu caos havia se multiplicado. Teria que esperar ali por uma viatura policial e provavelmente ambulância e carros de reboque.

Ligou para Alberto, que atendeu ainda entorpecido.

- Oi, Jorge!
- Oi, Beto! Como você tá?
- Cara, não estou entendendo nada até agora... Eu estava tentando entrar no seu apartamento e não sei como estou aqui dentro! Mas não me lembro como cheguei a entrar aqui, cara...
- Depois te explico! Isso, até eu já sei. Olha, Beto, eu liguei mesmo só pra saber como você estava... Acabei de bater o carro e estou esperando fazerem todos aqueles procedimentos insuportáveis pra sair daqui.
- Uma amiga sua veio te visitar. O nome dela é Cristina, parecia bem interessada em você...
- Ah, não! Ela é só minha amiga mesmo, Beto. E além do mais, você sabe, né... Não tenho preconceito nem nada, mas não é do tipo que me atrail... bem, as morenas... Eu gosto de branquinha e ela, você viu, é...
- Negra! E uma linda negra! E é uma hipocrisia de sua parte dizer que não tem preconceito! Lógico que tem, olha o que você acabou de dizer!
- Não, Betão... Trata-se de não sentir desejo, que nem eu não consigo sentir por... animais, objetos, árvores, por exemplo.
- Mas consegue sentir por loiras, morenas, ruivas...menos negras.
- Ah, Alberto! Não é hora de falar sobre isso agora. Depois conversamos, vou fazer o B.O. agora - Jorge se aborrecera por seu amigo estar questionando seus princípios e opiniões. - Tchau!



A praça estava fria e escura. Nem o sol fazia do lugar um ambiente mais quente. Lúcia estava lá, postada diante do banco de madeira em que Marina encontrava-se sentada. A novata se levantou, sem entender muito bem quem era aquela mulher de saias longas e cabelos dispostos em uma presilha no formato de borboleta próximo à nuca.

- Oi!
- Oi? Quem é você?
- Meu nome é Lúcia. Estou aqui a pedido do Jorge.
- Ah...Hum...O Jorge então...não vem hoje?
- Não, ele está viajando!
- Mas como eu vou pegar o...
- Ele já deixou comigo! Não sei o que tem aqui dentro, mas já está comigo. Ele me pediu para lhe entregar e avisar que não sabe se estará aqui em uma semana...
- Há! O Jorge é engraçado! Ele acha que pode comandar, mas esquece que quem manda aqui sou eu. Como ele ousa me dar regras...
- Mandar no Jorge? O que você é dele?
- Ah, você não sabe, pelo visto. Olha, não posso te contar, mas avise àquele fotógrafo de merda que eu quero ele aqui na semana que vem ou não guardo mais nada...
- Pode deixar que darei o recado - disse uma sorridente Lúcia.

Virou e entrou novamente no carro. Seguia com os olhos a jovem loira, que em poucos minutos abria um portão que dava acesso à um corredor escuro com escadas ao longo do mesmo. Viu que não demorou muito para a luz de uma das janelas do primeiro andar ser acesa. Nesse instante, Lúcia sai do carro e vai até um bar próximo, onde fica à espera de algum movimento no provável apartamento de Marina. A luz da janela se apaga e não se houve mais nenhum tipo de voz, ruído ou ventilação, sequer. Lúcia espera por alguma diferença. Em vão...


[CONTINUA...]



Por Pedro Henrique Castro.





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"Meias-Verdades" - Capítulo 10:"Simultaneidade"

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"Meias-Verdades" - Capítulo 10: "Simultaneidade"

Jorge saiu sem rumo do prédio em Copacabana, uma vez que não sabia para onde ir. Ligou para Alberto, incomodado com a demora, pois precisava que o historiador além de lhe fazer o favor, lhe desse o endereço do "Estúdio Paradise".


O aparelho vibrava e girava no chão, as luzes piscando no rosto assustado de Lúcia e na bengala de madeira que era envolvida por suas mãos suadas. A mulher atacara o possível assaltante e agora via na tela do celular que havia cometido um erro. Resolveu que seria melhor atender a ligação enquanto o homem ainda encontrava-se desacordado.

- Alô?
- Alô? Deve ter sido engano, eu queria falar com...
- Não, você ligou para o número certo, Jorge! Aqui é Lúcia, sua vizinha... é que... Ai, nem sei como te falar isso! Bom... Qual o nome do dono do celular mesmo?
- Alberto.
- Então, eu achei que o Alberto estava...bem...estava tentando assaltar sua casa! Afinal, ele estava arrombando sua porta e isso não é comum nem em Ibitiba nem em...
- Ô, Lúcia, eu tenho pressa agora. - falou Jorge, sendo um pouco rude de certa forma com sua vizinha pela primeira vez - Passa pro Beto, por favor?
- Ele está desmaiado, Jorge!
- O quê? Mas o que você fez com ele, meu Deus?
- Eu o ataquei... com a bengala de minha tia. Não chegou a sangrar, mas ele não parece estar nem perto de acordar.

Jorge soltou um palavrão dos grandes. Não confiava em Lúcia como confiava em Alberto, mas questão de confiança agora era piada perto do que poderia acontecer se alguém não fizesse o que precisava ser feito. O fotógrafo respirou fundo.

- Lúcia, você vai ter de fazer um favor para mim.
- Faço o que você quiser.
- Você vai ter que entrar no meu apartamento, ir até o meu cofre e pegar um envelope pardo que já está fechado lá dentro. Depois disso, te digo o resto...
- Mas como vou entrar no seu...
- Não sei, Lúcia! Alberto estava tentando fazer isso pra mim, então como você fez a merda - Jorge não só soou rude, como foi agora - de atacá-lo, dê seu jeito. Me liga assim que estiver com o envelope, tchau.



As pernas de Lúcia tremiam. Ela pulava de uma varanda à outra, no encalço das grades, com um medo enorme de cair. Era sorte sua que as varandas eram coladas e a adrenalina foi curta. Chegou rápido ao cofre de Jorge, já sabia onde era. Ligou para o homem, que lhe disse a senha e deu as instruções do que deveria ser feito em seguida. Para alivio da mulher, uma das chaves estava próximo à porta. Abriu-a e arrastou o corpo do desmaiado Beto para dentro do recinto, colocando a chave ao lado do corpo do homem. Depois de anotar o número de Jorge em seu celular, pegou a chave de seu Fusca e saiu em direção à sua "missão".



A ansiedade do fotógrafo era tanta que ele mesmo entrara em uma lan house e pesquisara sobre o "Estúdio Paradise". Achou o endereço em um site que constava em manutenção já há muitos anos. Aproveitou e pesquisou sobre Heitor Denali e anotou tudo o que poderia lhe ser útil. Seu suor fazia de seu rosto um chafariz ambulante, mas ainda assim um chafariz que jorrava de amor por Alice. Somente por Alice. Pagou o período curto que acessou a internet e entrou em seu carro, dirigindo o mais rápido possível para o "Estúdio Paradise".



A campainha de Jorge tocara. Havia se passado poucos minutos desde o ataque, mas mesmo assim Alberto reagiu e conseguiu se levantar, ainda tonto. Não entendia o motivo de estar ali, mas não procurava a resposta naquele momento. Girou a maçaneta.



Eram 17:08. Sabe aquela estranha sensação de que somente você está fazendo algo, e que não existe a possibilidade de nada mais importante estar acontecendo no mundo? Mas essa tese é egocêntrica, e como o mundo é um fervilhão de acontecimentos, sempre vai estar acontecendo algo com alguém naquele momento. Algo realmente importante. Nenhum deles sabia disso, mas no exato momento, naquelas 17:08, muita coisa acontecia ao mesmo tempo.

Alberto abre a porta e depara-se com Cristina.
Jorge se distrai e seu carro se choca com mais outros dois.
Lúcia caminha até o meio de uma praça e posta-se diante de uma jovem loira.


[CONTINUA...]


Por Pedro Henrique Castro.


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"Meias-Verdades" - Capítulo 9:"Apartamento 402"


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

"Meias-Verdades" - Capítulo 9: "Apartamento 402"

O porteiro interrompeu Jorge, que pensou que podia passar imperceptível pelo longo e estreito corredor espelhado.

- Pois não? - perguntou o funcionário.
- Apartamento 402, por favor... Diga que é o Jorge!
- Só um minutinho, senhor.

Após uma breve troca de palavras entre o porteiro e a outra pessoa, o homem de bigode disse:

- Ela pediu que o senhor espere 5 minutos antes de subir, Sr. Jorge! Disse que vai se arrumar, pois não esperava a sua visita.
- E não esperava mesmo! Nem eu esperava - e riu sarcasticamente o homem.

Olhou para a televisão ligada em um pequeno canto entre o interfone e um painel de comandos que deviam ser da iluminação do prédio.

- Flamenguista? - perguntou Jorge ao reparar na tensão do porteiro diante de um Fla x Flu que era transmitido aos 33 minutos do primeiro tempo.
- E Campinense eternamente de coração!
- Campinense? De onde é?
- Paraíba, sinhô - o porteiro já começara a mostrar as raízes - É como se fosse o Flamengo daqui tendeu? Lá também tem o Treze, o Atlético, o Nacional e até um Botafogo, pro sinhô ver...
- Hummm... Quando eu viajar pra lá, irei procurar uma camisa do Campinense! Virei Campinense depois de, claro, Vascaíno que sou... - disse Jorge.
- Ah, má num diga uma coisa dessas! Vasco da Gama, sinhô? Tem que torcer é pelo Flamengo!

E no exato momento, o Flamengo fez gol. A conversa fora interrompida pela calorosa comemoração do porteiro. Jorge, percebendo que se ficasse teria muito assunto pela frente, disse ao paraibano que subiria ao 402. O mesmo concordou somente com um gesto feito pelas mãos. Agora, estava ocupado demais comemorando.

- É meu Flamengo, meu Flamengo! Mengoooo!

Ainda no elevador, Jorge ouvia os gritos do porteiro. Também podia ouvir o bater de seu coração à medida em que ia se aproximando do 4° andar. Saiu e foi em direção à porta pela qual havia passado somente duas vezes em toda sua vida. De cara, ouviu a voz que esperava escutar.

- Como assim você vem sem avisar, Jorge?
- Boa tarde pra senhora também, Dona Magda...
- Ora, ora... Continua abusado!
- Posso entrar?
- Como se eu pudesse responder que não...

E Jorge foi entrando no claro recinto com cortinas de seda e sofás de couro. A família Menezes dos Santos não era rica, mas claramente tinham poder aquisitivo suficiente para cobrir suas necessidades e esbanjar de um pouco de conforto. Quadros antigos ocupavam grandes espaços nas paredes marfim, enquanto poucos porta-retratos dominavam a estante de prateleiras de vidro. O fotógrafo sentou-se no sofá de couro branco diante do convite de Sr. Miguel, que fazia o mesmo com sua esposa no par de carcaça branca.

- O que lhe traz aqui, Jorge?
- Gostaria de fazer algumas perguntas, Dona Magda.
- Então as faça! Anda, faça logo... Estávamos repousando.
- Pare, Marta! O coitado não sabia - disse Sr. Miguel à mulher.
- Não se vai à casa de ninguém sem avisos, meu amor! Isso é questão de educação, sempre fui bem-educada.

Miguel retirou-se da sala para ir à cozinha e buscar copos d'água para os três.

- Serei direto, então, para não demorar. Quero saber sobre o passado de sua filha.
- Ah, não! Ela já está morta, Jorge! Deixe-a descansar em paz.
- O problema é que há coisas no passado de Alice que preciso saber. Há pessoas envolvidas na história dela que me devem, mas não querem me dar explicação.
- O que você quer saber? - perguntou uma inconformada Dona Magda.
- Quando ela saiu de casa?
- Se quer mesmo saber, Alice saiu de casa aos 17 anos. E foi a pior coisa que fez em toda a sua vida. Não me entenda mal, rapaz... Não tenho ódio nem rancor de minha filha. Amo-a muito, aliás. Mas depois disso, ela já estava morta para mim.
- Mas porque tão cedo?
- Ah, a menina era sonhadora! Bonita, sempre foi e a sorte era questão de tempo. Bom, segundo ela, azar a meu ver. Um agenciador novato a indicou para uma agência de modelos. Fez algumas fotos, mas nunca sucesso. Depois disso, nunca mais tivemos bastante informações sobre ela, a não ser as poucas ocasiões do ano em que eu tinha que ligar ou vocês tornarem a me visitar, ou eu a vocês.
- A senhora conheceu algum Carlos?
- Ambos sabemos quem é Carlos, não é, Jorge? Acredito eu que não preciso lhe lembrar o mal que ele o fez... Aliás, ele e...
- Não, não! Nem me faça lembrar, mas digo... no passado de Alice, sabe de alguma relação que possa ter entre os dois?
- Que eu saiba, não! Nunca estudaram juntos, nem trabalharam juntos... Minha filha também não era de me contar tudo, ora bolas. Sei dos amigos que ela comentava, dos namorados que ela apresentava, mas em nenhuma dessas ocasiões ela citou o nome de Carlos.

Miguel já estava de volta à sala quando derramou um dos copos que vinha trazendo. Magda e Jorge levantaram prontamente para ajudá-lo, mas a madame insistiu que ele ficasse na sala enquanto buscava vassoura e pano de chão para ajeitar a bagunça. Já de pé, o fotógrafo fora conferir os porta-retratos sobre a estante. Apenas duas fotos de Alice tomavam lugar nos objetos, enquanto outros rostos se repetiam com muito mais frequência. O homem reparara também que em ambas as fotos, a amada devia ter menos de 15 anos.

- Dona Magda, porque a senhora tem apenas duas fotos de Alice em sua estante?

Fora Sr. Miguel quem respondeu.

- Jorge, sei que você deve estar se fazendo muitas perguntas, mas tem algumas que nunca devem ser feitas. Alice somente trouxe vergonha para nós desde que saiu de casa. Boatos foram espalhados, notícias chegaram as nossos ouvidos e desde então, ela sumiu de nossas vidas assim como sumimos da dela. Foi de bom agrado para ambos.
- Que boatos são esses, Sr. Miguel?

Foi então que Jorge se tocara de algo que havia se esquecido completamente. Pediu licença ao ex-sogro e ligou para Alberto.

- Alô, Beto, preciso que me faça um favor urgente!
- Opa! Mas porque a pressa, Jorjão?
- Depois te explico, Alberto. Só preciso que vá à minha casa e quando estiver lá, me ligue! Não posso dar mais explicações agora.
- Ok, ok! Estou indo agora mesmo...

Antes que a conversa voltasse a tomar seu rumo, Dona Magda - agora ao lado de Sr. Miguel - finalizou a mesma.

- Vá embora, Jorge! Vá, agora.
- Mas, gente...
- VÁ!

E o fotógrafo virou-se em direção à porta. Passou novamente pelo porteiro flamenguista, que agora comemorava o resultado do jogo antes mesmo do fim.

Não resistiu e chorou. Jorge caia em prantos como há muito tempo não acontecia. Lembrava de Alice e tentava entender o porquê de tantas coisas: a ligação entre ela e Carlos, os motivos que a levaram a ser assassinada, o que fizera entre seus 17 e 23 anos... Queria ter a amada de volta, mas sabia que isso já não era mais possível. Seu lado racional aceitava isso, mas o emocional ainda não... Uma dor perfurava seu corpo e seu coração de modo que o homem se contorcia no meio da rua. Não aceitava! Queria-a tanto que aos de fora poderia parecer algum tipo de obsessão, de posse, mas não era. Sabia e sentia que era amor, um amor que nunca poderia ser explicado, somente demonstrado, mas já não via mais formas e nem para quem demonstrá-lo. As lágrimas formavam um rio na maçã de seu rosto.

Seu celular tocara, interrompendo-o de suas ilusões e lembranças.

- Jorge, já estou na porta do seu apartamento, pode falar agora.
- Bom, você vai ter que entrar na casa pegando a chave reserva que fica dentro do vaso logo ao lado da porta.

Mas o historiador procurara o objeto em todos os cantos do vaso e não achara. Informou isso ao amigo, que não entendeu, mas não procurou pensar nisso agora. Como a mesma já não era usada há muito tempo, pensou que Alice poderia ter perdido ou estava escondido em algum lugar dentro da própria casa.

- Você vai ter que arrombar a porta ou entrar pela janela, Beto. Mas preciso de você lá dentro o mais rápido possível. Assim que conseguir, me ligue, ok?
- Mas você mora no 4° andar, seu maluco....

A ligação já havia sido finalizada. Alberto imaginou-se na pele de um rinoceronte e empurrão atrás de empurrão, foi atirando-se contra a porta do apartamento provocando barulhos absurdos em todo o prédio. Já voltava de costas pela sexta ou sétima vez quando algo o atingiu na nuca. Imobilizado, caiu duro batendo suas costas e cabeça no chão.


[CONTINUA...]


Por Pedro Henrique Castro.



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