quarta-feira, 14 de outubro de 2009

"Meias-Verdades" - Capítulo 3: "O baque de Jorge"

Dois dias haviam se passado. Desde a saída da delegacia, não houve muito na vida de Jorge, senão um telefonema, o velório e agora o funeral de Alice. Poucas eram as pessoas ao redor do caixão, que lentamente ia tomando seu lugar. Os pais da falecida, Magda e Miguel, chegaram ao recinto após o momento em que o padre começara a falar. Estavam calados, frios. A lágrima solitária no rosto de Dona Magda era como uma gota diante da cachoeira provocada por Jorge dias atrás. O fotógrafo, porém, entendia. Naquele momento, sua reação era igual ou mais gélida que a dos pais de Alice. Já havia chorado tudo o que poderia ter chorado. Olhou para a lápide e leu o nome "Alice Menezes dos Santos". Arrependeu-se de não ter lido "Alice Menezes dos Santos Sá", arrependeu-se de nunca ter a pedido em casamento.

O corpo já não era mais visível. A terra começava a tornar-se o lar da amada Alice. Enquanto os poucos que ali estavam tomavam seus rumos, Jorge e Dona Magda trocaram algumas palavras.

- Nunca entendi! Nunca entendi o motivo dela ter vindo morar aqui, tão longe de nós. Ela nunca foi muito apegada à família, mas esconder-se nesse fim de mundo...
- Alice me contou que sempre quis ter uma vida mais tranquila, Dona Magda. Por isso veio pra cá.
- Agora então ela tem a tranquilidade que tanto desejou... - finalizou Sr. Miguel, empurrando a mulher pelas costas em direção ao carro.

Jorge nunca soube os reais motivos da vinda de Alice para a pequena cidade. Quando se conheceram, ela já morava - mesmo que há pouquíssimo tempo - em Ibitiba. Ia embora quando um sujeito com um buquê de lírios em mãos aproximava-se do sepulcro de sua alma. Era Carlos. A fúria tomou conta de Jorge, e a primeira e única coisa que fez foi ir em direção ao rival e empurrá-lo com o máximo de força que podia. A briga nem sequer começou quando os dois iniciaram uma discussão.

- Como você ousa vir aqui, seu imundo? Nem você e nem suas flores são benvindos.
- Ela me amava Jorge. Antes mesmo de amar você, se é que amou, ela me amava.
- Seu filho-da...
- Eu a amava também. Talvez, confesso, menos do que você. Ah, você a idolatrava, né? Tratava-a como santa, como sua fonte de amor, de vida, de esperança... Um imbecil! Eu, ao menos, a amava sabendo quem ela era.
- Você é maluco! Mal sabia de Alice... A única intimidade que teve com ela...
- Não, você que se engana. Eu conhecia Alice há muito tempo, muito antes dela chegar aqui.
- Me conta isso, seu merda!
- Eu não! Que descubra por si só. Você sempre gostou de bancar o detetive, né? Desde os tempos do colégio... Sempre gostava de descobrir algo a mais. Mata essa charada, então...

Era o suficiente para Jorge. A revelação de que Alice e Carlos já se conheciam foi o baque que o fez sair do cemitério. Agora, realmente queria "bancar o detetive", como disse Carlos. Pela segunda vez naquela semana, ligou para Alberto.

Por Pedro Henrique Castro.



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