quinta-feira, 15 de outubro de 2009

"Meias-Verdades" - Capítulo 5: "A mais bela dentre as flores"

A conversa se estendera por algumas horas. Jorge não podia negar que a presença de Cristina era, no mínimo, agradável. Falaram sobre a vida dela, sobre a vida dele, e sobre todos os assuntos que qualquer grupo de conhecidos conversaria.

Já havia escurecido quando o fotógrafo tornou a pensar em Alice. Recordou detalhadamente como haviam se conhecido:

Jorge, no auge de seus 25 anos, estava fotografando para o editorial de uma revista de paisagismo. Clicava gramados, árvores, plantas, quando apareceu no fundo de suas lentes a mais bela das flores. Não era petúnia alguma, muito menos bromélia, nem sequer um girassol. A flor era alta, magra, tinha cabelos compridos e morenos, lisos como cachoeira; esmeraldas brutas ocupavam o lugar dos olhos, enquanto o nariz era pequeno e levemente arrebitado; a boca sutilmente carnuda se encolhia para molhar os lábios ao mesmo tempo em que uma das mãos acomodava o longo cabelo moreno atrás da orelha. A flor tinha nome, sobrenome e Jorge não se aquietaria enquanto não descobrisse o que nenhum dos botânicos jamais havia descoberto.

Pendurou a câmera ao redor do pescoço e foi em direção à magnitude parada em cima da pequena ponte que dividia o jardim da calçada de pequenas pedras. Não tardou a falar algo, por mais que as palavras pareciam sair totalmente atropeladas...

- Oi, tudo bom?
- Tudo, e com você, tudo bem também?- replicou com simpatia a jovem moça.
- Melhor agora - respondeu um tímido Jorge. - Não tinha visto ainda você na cidade... Está de passagem por aqui?
- Não, estou morando aqui há algumas semanas já, mas não saí muito de casa ainda. Sabe como é mudança, né? Arrumar a casa, limpar tudinho, pintar, reparar, instalar a iluminação...
- Mentira! Uma mulher que sabe trocar uma lâmpada? Tá falando sério?
- Ora, você acha que mulher só sabe pilotar fogão? - afrontou a morena.
- Não, claro que não... Mas que é raro é! Qual o seu nome?
- Alice. E o seu?
- Jorge, prazer - e estendeu as mãos como indicativo para um aperto.
- Prazer - retribui a linda jovem respondendo ao aperto de mão.
- Olha, não sei se você vai me achar abusado... Mas você deve ter reparado que sou fotógrafo e... Bom, não poderia deixar de perguntar. Posso tirar umas fotos suas? Te dou certeza que fariam enorme sucesso em minha galeria.

A jovem caiu em risos e respondeu ao fotógrafo.

- Será meu último trabalho como modelo! E considere uma sorte, pois já faz um tempinho que não fotografo... É só porque... gostei de você. - e Jorge viu o sorriso mais tímido e a mexida de cabelo mais sutil que já havia visto em toda a sua vida.
- Você então é modelo?
- Era! Parei aos há dois anos atrás, quando tinha 22. Você, como fotógrafo, deve ter conhecimento de que a idade influencia muito nesse meio.
- Mas com 22 anos você ainda era jovem... Tem modelos que exercem a profissão até seus 30, 40 anos... Você seria uma delas facilmente!
- Ah, são raras... Resolvi não arriscar! Vamos às fotos? - Alice encerrou a conversa começando uma sessão de fotos que estava deixando Jorge nas nuvens.

Depois da sessão, foi um pulo para o cinema, os encontros, até começarem o namoro em definitivo. Morar juntos só aconteceu três anos depois, a convite de Jorge. Os outros seis anos restantes foram de muitas alegrias e algumas decepções, até chegar ao dia da morte da amada.

De repente, um feeling. Foi assim que Jorge lembrou-se que Alice trabalhou como modelo e fazendo um alvoroço em caixas velhas, começou a revirar todos os objetos guardados pela mulher à procura de uma foto sua, alguma pista, algo que indicasse Carlos em seu passado. Revirou o baú, literalmente. Por fim, acabou achando um envelope com fotos de Alice em lingeries e imaginou tratar-se de um anúncio para alguma campanha de roupas íntimas. Anotou em um papel o endereço e o nome do estúdio onde as fotos foram reveladas. Era na cidade grande, onde morava Dona Magda e Sr. Miguel.

Resolveu verificar se a tão reclamada distância informada pela ex-sogra chegava a tanto. Estava decidido a fazer tal viagem e começou a arrumar uma mochila com poucas roupas e alguns objetos em questão de minutos.

Jorge começara a mexer no passado de Alice, pretendendo assim ajeitar seu presente e seu futuro.


[CONTINUA...]


Por Pedro Henrique Castro.


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