quinta-feira, 15 de outubro de 2009

"Meias-Verdades" - Capítulo 4: "Prazer em conhecer, Cristina"

Alberto, Beto, Betão, Bebeto. Várias eram as formas de se chamar um mesmo indivíduo: Alberto Ferreira Goulart, um amigo de longa data de Jorge que tinha por profissão a função de historiador e por hobby, a prática de pesquisar, recolher informações, saber um pouco a mais do que lhe era informado.

Era para o mesmo que Jorge havia ligado duas vezes em menos de dois dias. Na primeira ligação, pediu ao amigo que o ajudasse a descobrir quem havia matado Alice; Na segunda, no entanto, pediu que investigasse como era possível Carlos já ter conhecido a amada antes mesmo do início de seu namoro. Alberto era bom em procurar livros, notícias, mas nunca ousara a ponto de revirar o passado de uma pessoa. Nem ele nem o fotógrafo sabiam como iriam fazer, mas prometeram ao menos tentar.

Jorge já estava em casa preparando chá quando a campainha tocou. Não esperava visita alguma, menos ainda desejava alguma. Olhou pelo olho-mágico e confirmou que era a mesma policial negra que o interrogara na fatídica noite da semana. Reparou, no entanto, que a mulher não usava seu uniforme e deixava solto os longos cabelos que caiam ondulados até a metade de suas costas. Ao abrir a porta, a grande boca da mulher encheu-se de palavras.

- Vim entregar a cópia da gravação do circuito de câmeras do banco. Obviamente, você tem seu álibi apresentado e está livre para ir onde desejar...
- Obrigado! Não pretendo ir a lugar algum, ao menos, por enquanto. Só quero mesmo é que descubram e façam justiça ao assassino de minha... mulher - Jorge hesitou, pois legalmente não podia denominar Alice como sendo sua esposa.

O homem olhava a mulher em sua frente dos pés à cabeça. Não! Não era desejo, mas reparava na calça jeans, na blusa com bordas de renda e na discreta maquiagem em seu rosto, que de certa forma, a transformava em um cisne diante do patinho feio que tomava seu lugar enquanto prestava serviço. Percebeu que não conseguiu ser discreto quando a moça tornou a falar.

- Você não deve estar entendendo nada em relação a minha roupa, né? - sorriu acanhada e deu uma breve risadinha. - Bom, vinha um outro policial lhe dar a notícia e entregar o DVD, pois eu já estava de saída. As próximas 48 horas são meus valiosos dias de folga. Eu que pedi ao Pacheco para vir aqui, pois precisava falar com você.
- Só me surpreende... Toda aquela formalidade parece ter desaparecido - e Jorge também deu uma breve risadinha seguido de um sorriso acanhado. A policial... qual seu nome mesmo?
- Cristina.
- Então, a policial Cristina teria dito: " Vim lhe entregar, senhor, a gravação que o inocenta da acusação de homicídio da Srta. Alice Menezes dos Santos. O senhor está apto a..." - Jorge pronunciava em um tom bastante formal e direto, quase cortando toda e qualquer emoção que pudesse existir em sua frase. Doeu dizer o nome de Alice, mas fora interrompido pela policial.
- Vim aqui pedir desculpas justamente por isso. Eu sei que fui fria e confesso à você, e espero que isto fique somente para você - disse em voz baixa - que também não gosto de fazer aquele interrogatório todo. Mas era meu dever e tinha que seguir as regras. Você deve saber disso, não é? Você também trabalha...
- Sou autônomo.
- Ah, bem...sim...Mas, enfim, eu sabia desde o momento em que te vi que você era inocente. Por mim, não teria nem te levado à delegacia, mas...regras do trabalho!

Dessa vez, os dois deram risadinhas um pouco mais longas e acanharam-se menos.

- Você não tem o que se desculpar. Confesso que tive vontade de lhe xingar, lhe matar, mas no fundo, sabia que a culpa não era sua. A culpa era da dor que ainda sinto.
- Melhor assim! Não...Ai, me desculpa...Não me referi à dor, e sim à...ah, você entendeu, não entendeu?

Jorge rira pela primeira vez desde a morte de Alice. Ainda um riso desanimado, mas não era forçado. Lembrou que no domingo, Cristina parecia um homem afeminado de cabelos curtos, e hoje não via resquício algum de sua lembrança.

- Bom, vou indo. Já falei o que tinha pra falar, agora já estou enchendo seu saco e...tchau! - virou-se e caminhou corredor afora.
- Ei! Volta aqui... Fique mais um pouco. Estava fazendo um pouco de chá e pode acreditar que tem o suficiente para nós dois. Entre e vamos conversar mais. Você me conta da investigação, das pistas que... - o homem foi interrompido.
- Olha, Jorge, me desculpa mais uma vez, mas não estou aqui para falar de trabalho. Tudo o que quero nesses dois dias é esquecer um pouco que seja do trabalho. Você me entende?
- Claro! - Jorge concordou, pensando também que precisava aliviar sua dor naquele momento. Tudo que queria ainda era Alice, mas isso não era possível. Ainda lhe interessava saber tudo sobre o caso que envolvia a amada, mas viu naquela mulher a oportunidade para abstrair sua dor e tomar seu chá antes que esfriasse. - Entra, Cristina! Prometo não falar do seu trabalho. Vamos conversar sobre outros assuntos.

E a policial negra, naquele momento despida de sua função, voltou e atravessou aquela porta pela segunda vez, agora como convidada. Sentou-se no sofá, pegou uma das xícaras que Jorge havia lhe estendido e logo levou a mesma à boca. Ambos se olharam enquanto matavam sua sede e enxergaram que começara ali uma sólida e íntima relação de amizade.


[CONTINUA...]


Por Pedro Henrique Castro.


LEIA TAMBÉM:

"Meias-Verdades" - Capítulo 3: "O baque de Jorge"

Nenhum comentário:

Postar um comentário