domingo, 11 de outubro de 2009

"Meias-verdades" - Capítulo 1: "A jovem loira, o ex-amigo e Alice"

Era uma fria tarde de domingo. Jorge caminhava distraidamente por aquela praça enfeitada com três bancos de madeira, alguns poucos postes de luz - e nem todos os postes estavam com as luzes acesas - e o chão carpeteado pelas folhas secas caídas das árvores que ali cercavam. Carregava em seus braços somente um pequeno caderno preto e um envelope branco visivelmente com algo dentro. O vento forte fazia juz à aparência séria do homem de 34 anos. Já era rotina para o fotógrafo ir frequentemente àquela praça ao alvorecer.

Caminhou até o centro da praça, onde avistou uma mulher loira, aparentemente bem nova, sentada em um dos bancos. Mascava chiclete e deixava à mostra os fones de ouvido devido ao cabelo preso em rabo de cavalo. Aos que olhavam de longe, parecia que os dois nunca haviam se visto e que o encontro de ambos era um acaso completo. Por um minuto, até Jorge pensara que continuaria sua caminhada sem parar para falar com a jovem loira, mas no instante em que o homem se posicionou em sua frente, a mesma se levantou. Após uma breve troca de olhares e um sorriso de canto de boca da moça, as primeiras e poucas palavras foram trocadas:

- Se atrasou hoje, hein, Jorge...
- Somente o necessário, Marina, por favor!
- Mas você não quer nem sa... - A frase não chegou a ser completada, pois a garota foi bruscamente interrompida por uma enfática e sonora negação como resposta para sua possível pergunta.
- Agora vá! Vá, anda logo! - disse Jorge após entregar o envelope à jovem loira.

O homem retornou em direção de onde viera e saiu amargurado da praça. As finas gotas de chuva começavam a cair, e quando Jorge virou o rosto para proteger-se da violenta mistura do vento forte junto à camada de chuva, Marina já não estava mais em seu campo de visão.

A sétima badalada acabava de acontecer no momento em que Jorge se encontrava entre a catedral e uma agência bancária da qual havia acabado de sair. Passou por uma livraria, uma farmácia, uma papelaria e por Carlos. No momento em que os olhos castanhos de Carlos passaram pelos olhos vermelhos de Jorge, tanto a livraria, quanto a farmácia e a papelaria pareciam ter sumido do mapa. O antagonismo entre os dois já era antigo e conhecido por todos da redondeza. O motivo, no entanto, lhes conto em breve...

Jorge apressara o passo para evitar qualquer confusão com aquele que um dia já fora seu amigo. Parou, ofegante, apoiando os braços em uma mureta sob o espelho da fachada de um prédio comercial. Olhando para si mesmo, Jorge se achou velho, infeliz, acabado. Queria livrar-se de sua amargura; Forçava-se a pensar em coisas boas; Precisava pensar em Alice.

Na verdade, nem preciso era. Alice era a íris dos olhos de Jorge; Alice era o nome de dez das dez coisas em que Jorge pensava diariamente; Alice era o e o coração de Jorge. Por um minuto, o fotógrafo fechou os olhos e imagens, vídeos, sons vieram à sua cabeça: Lembrou-se da primeira vez que vira Alice, do primeiro beijo entre os dois, do sorriso e da mexida de cabelo que faziam Jorge ficar encantado sempre que a mulher repetia os mesmos gestos... O homem achou-se idiota por continuar parado e não viu outra opção, senão ir para casa encontrar Alice e enchê-la de abraços, beijos e carinhos sem ter fim...

As lembranças recentes deram à Jorge o primeiro sorriso do dia, que permaneceu em seu rosto até o momento em que girou a maçaneta e abriu a porta de sua casa. O tal sorriso desapareceu com a mesma facilidade que havia surgido. Lentamente, Jorge entrou e se ajoelhou diante de um corpo branco e gélido como a neve; Apoiou-se sobre um coração sem batimentos; Olhou diante de olhos ainda abertos, porém sem movimento; Banhou-se em um rio vermelho do qual ele nunca imagira e sequer gostaria de se banhar.

Não reparou nos objetos quebrados em sua sala, na faca caída ao chão próximo à cozinha, na janela aberta deixando esvoaçar sua cortina.

Era o corpo de Alice deitado no chão. Morta por fora, morta por dentro.
Era o corpo de Jorge debruçado sobre Alice. Vivo por fora, morto por dentro.


[CONTINUA...]


Por Pedro Henrique Castro.

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