sexta-feira, 16 de outubro de 2009

"Meias-Verdades" - Capítulo 6: "Apresentando Alice aos amigos"

Seria uma longa viagem. Jorge já estava dirigindo seu carro havia mais de uma hora e não estava sequer a um terço do caminho. O Rio de Janeiro nunca pareceu tão longe, nem mesmo em seus pensamentos.

Enquanto dirigia, uma lembrança o tomou de assalto e não conseguiu contê-la. Era a noite em que havia apresentado Alice à Carlos. Tentava ver alguma dica, alguma falha de um dos dois que pudesse indicar o caminho certo de sua procura.

Era uma sexta-feira chuvosa de Abril, quando estava sentado junto à amada em um dos poucos bares da cidade. Era um local aconhegante, com voz e violão ao fundo, uma decoração até cuidadosa para o tipo de estabelecimento e um cardápio de dar inveja à muitos outros restaurantes locais.

Carlos chegara com sua esposa, Regina. Protegidos por um minúsculo guarda-chuva preto, o empresário tinha seu paletó tomado por pequenas gotas que caim trazidas pelo vento. Após os cumprimentos, ambos sentaram-se em uma mesa coberta com toalha xadrez vermelha e branca. Regina olhava discretamente para Alice, querendo fazer um análise que mostrasse um resultado de rejeição ou aprovação da nova namorada do amigo de seu marido.

- Carlos, Regina, quero que conheçam Alice, minha nova namorada e se Deus permitir, futura esposa.
- Mas já falando em casamento, Jorge? Fiquei sabendo que se conheceram há pouco mais de dois meses - bombardeou a mulher do empresário. Seus cabelos loiros e bem cuidados à altura do pescoço e um brinco reluzente de ouro deixavam à mostra não só seu status econômico, mas acompanhado por sua frase exprimia claramente a sensação de que queria estar por cima da situação.
- Mas já, Regina? Mal chegamos e olha a impressão que deixa à pobre garota... - censurou Carlos sua própria esposa.
- Não disse por mal! Oh, realmente não me entenda mal, querida. - A perua sabia usar seus dotes artísticos - Mas disse o que disse justamente por ela, Jorge. Falando desse jeito, já falando em casamento, vai assustar a moça. Que idade deve ter? Uns 27, 28... Espere para falar em casam...
- Tenho 24. - respondeu Alice, não em tom bruto, mas mostrando firmeza.
- Ai, mas que gafe a minha! Me desculpe, me desculpe, mil desculpas, darling! Chutei a idade pois Jorge tem 30 e...
- Tenho 25, Regina! - respondeu o fotógrafo, já mostrando certa impaciência com a esposa de seu prezado amigo.
- Amor, por favor, fique calada! A única que chegou aos 30 aqui, e aos 31 para ser mais exato, foi você! Eu e Jorge estudamos juntos, ambos temos 25 e o único a ter queda por mulheres um pouco mais velhas entre nós dois sou eu... Jorge sempre preferiu as mais novas que ele - Carlos deu uma piscadela para o amigo, como que para lembrarem de um ou mais episódios em que Jorge fora "papa-anjo".
- Eu...só...pretendia ajudar! E não precisa...jogar em minha cara....que sou mais velha que você...Se quiser...me chame de VELHA diretamente, Carlos - as pausas em sua frase anunciavam que a mulher iniciaria em instantes um rio de lágrimas que, pelas reações alheias, Jorge e Carlos já estavam bem habituados. - Se me dão licença...vou ao toilet...retocar minha maquiagem e...volto em breve.

Regina saiu desconsolada. Já não se ouvia mais o som de sua voz aguda reclamando à si mesma do marido ter a repreendido na frente dos outros.

- Devo...ir atrás dela? Ela não me parece bem, a essa altura está chorando. Acho que vou ao banheiro falar com ela, tentar consolá-la ou algo do tipo - sugeriu Alice, gentilmente.
- Que nada! É quase sempre assim. Regina gosta de dar seus shows, acho que um dia ainda tenta a carreira artística. Você vai ver como daqui a pouco ela está de volta repetindo as mesmas besteiras de sempre. E se tiver azar, ainda pega o pior: as mesmas besteiras vindas de uma Regina bêbada! - disse Carlos enquanto apoiava uma de suas mãos na mão direita de Alice, que por instinto, recolheu-a.

Jorge não sabia os motivos, mas achou que fosse pela forma como Carlos falou da própria mulher. O fato era que sua namorada e seu amigo evitavam ao máximo se olharem, porém quando o faziam, deixavam uma inquietude à solta no ar. O empresário estava certo: sua esposa voltou muitos minutos depois. Ligeira, mas visivelmente bêbada. Conversavam agora sobre a rotina do casal.

- Graças à Deus, Carlos parou com essa ideia maluca de ter duas empresas em lugares diferentes há dois meses já! Eu não aguentava mais essa ida, vinda, ida, vinda, ida, vinda, ida ao Rio! Olha, Jorge, vou te contar... Tenho horror àquele lugar só por ter me tomado meu Carlinhos. - e beijou o marido, precisando agarrar seu rosto com ambas as mãos.
- É, os negócios lá não estavam indo muito bem...Resolvi ficar somente com a empresa daqui mesmo. - completou o marido como se devesse explicações ao resto da mesa.
- Você veio do Rio, né, ma chérie? Há dois meses também, não foi?
- Não, vim há quase três...
- Você e Carlinhos poderiam ter se conhecido até no avião, porque não?
- Vim de ônibus para cá...
- Olha, Jorge! Como você mesmo está vendo, Regina não está em seu melhor estado...
- Eu estou óoooootima!
- Tome aqui para pagar nossas despesas, pois vou levá-la para casa agora. Tchau, meu amigo. Prazer em conhecer, Alice.
- Tchau - ambos disseram ao casal que ia embora.

Isso havia sido há pouco menos de nove anos, mas Jorge chegou à uma conclusão daquela noite que nunca havia chegado antes: Regina não dizia somente besteiras.


[CONTINUA...]


Por Pedro Henrique Castro.



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