segunda-feira, 19 de outubro de 2009

"Meias-Verdades" - Capítulo 9: "Apartamento 402"

O porteiro interrompeu Jorge, que pensou que podia passar imperceptível pelo longo e estreito corredor espelhado.

- Pois não? - perguntou o funcionário.
- Apartamento 402, por favor... Diga que é o Jorge!
- Só um minutinho, senhor.

Após uma breve troca de palavras entre o porteiro e a outra pessoa, o homem de bigode disse:

- Ela pediu que o senhor espere 5 minutos antes de subir, Sr. Jorge! Disse que vai se arrumar, pois não esperava a sua visita.
- E não esperava mesmo! Nem eu esperava - e riu sarcasticamente o homem.

Olhou para a televisão ligada em um pequeno canto entre o interfone e um painel de comandos que deviam ser da iluminação do prédio.

- Flamenguista? - perguntou Jorge ao reparar na tensão do porteiro diante de um Fla x Flu que era transmitido aos 33 minutos do primeiro tempo.
- E Campinense eternamente de coração!
- Campinense? De onde é?
- Paraíba, sinhô - o porteiro já começara a mostrar as raízes - É como se fosse o Flamengo daqui tendeu? Lá também tem o Treze, o Atlético, o Nacional e até um Botafogo, pro sinhô ver...
- Hummm... Quando eu viajar pra lá, irei procurar uma camisa do Campinense! Virei Campinense depois de, claro, Vascaíno que sou... - disse Jorge.
- Ah, má num diga uma coisa dessas! Vasco da Gama, sinhô? Tem que torcer é pelo Flamengo!

E no exato momento, o Flamengo fez gol. A conversa fora interrompida pela calorosa comemoração do porteiro. Jorge, percebendo que se ficasse teria muito assunto pela frente, disse ao paraibano que subiria ao 402. O mesmo concordou somente com um gesto feito pelas mãos. Agora, estava ocupado demais comemorando.

- É meu Flamengo, meu Flamengo! Mengoooo!

Ainda no elevador, Jorge ouvia os gritos do porteiro. Também podia ouvir o bater de seu coração à medida em que ia se aproximando do 4° andar. Saiu e foi em direção à porta pela qual havia passado somente duas vezes em toda sua vida. De cara, ouviu a voz que esperava escutar.

- Como assim você vem sem avisar, Jorge?
- Boa tarde pra senhora também, Dona Magda...
- Ora, ora... Continua abusado!
- Posso entrar?
- Como se eu pudesse responder que não...

E Jorge foi entrando no claro recinto com cortinas de seda e sofás de couro. A família Menezes dos Santos não era rica, mas claramente tinham poder aquisitivo suficiente para cobrir suas necessidades e esbanjar de um pouco de conforto. Quadros antigos ocupavam grandes espaços nas paredes marfim, enquanto poucos porta-retratos dominavam a estante de prateleiras de vidro. O fotógrafo sentou-se no sofá de couro branco diante do convite de Sr. Miguel, que fazia o mesmo com sua esposa no par de carcaça branca.

- O que lhe traz aqui, Jorge?
- Gostaria de fazer algumas perguntas, Dona Magda.
- Então as faça! Anda, faça logo... Estávamos repousando.
- Pare, Marta! O coitado não sabia - disse Sr. Miguel à mulher.
- Não se vai à casa de ninguém sem avisos, meu amor! Isso é questão de educação, sempre fui bem-educada.

Miguel retirou-se da sala para ir à cozinha e buscar copos d'água para os três.

- Serei direto, então, para não demorar. Quero saber sobre o passado de sua filha.
- Ah, não! Ela já está morta, Jorge! Deixe-a descansar em paz.
- O problema é que há coisas no passado de Alice que preciso saber. Há pessoas envolvidas na história dela que me devem, mas não querem me dar explicação.
- O que você quer saber? - perguntou uma inconformada Dona Magda.
- Quando ela saiu de casa?
- Se quer mesmo saber, Alice saiu de casa aos 17 anos. E foi a pior coisa que fez em toda a sua vida. Não me entenda mal, rapaz... Não tenho ódio nem rancor de minha filha. Amo-a muito, aliás. Mas depois disso, ela já estava morta para mim.
- Mas porque tão cedo?
- Ah, a menina era sonhadora! Bonita, sempre foi e a sorte era questão de tempo. Bom, segundo ela, azar a meu ver. Um agenciador novato a indicou para uma agência de modelos. Fez algumas fotos, mas nunca sucesso. Depois disso, nunca mais tivemos bastante informações sobre ela, a não ser as poucas ocasiões do ano em que eu tinha que ligar ou vocês tornarem a me visitar, ou eu a vocês.
- A senhora conheceu algum Carlos?
- Ambos sabemos quem é Carlos, não é, Jorge? Acredito eu que não preciso lhe lembrar o mal que ele o fez... Aliás, ele e...
- Não, não! Nem me faça lembrar, mas digo... no passado de Alice, sabe de alguma relação que possa ter entre os dois?
- Que eu saiba, não! Nunca estudaram juntos, nem trabalharam juntos... Minha filha também não era de me contar tudo, ora bolas. Sei dos amigos que ela comentava, dos namorados que ela apresentava, mas em nenhuma dessas ocasiões ela citou o nome de Carlos.

Miguel já estava de volta à sala quando derramou um dos copos que vinha trazendo. Magda e Jorge levantaram prontamente para ajudá-lo, mas a madame insistiu que ele ficasse na sala enquanto buscava vassoura e pano de chão para ajeitar a bagunça. Já de pé, o fotógrafo fora conferir os porta-retratos sobre a estante. Apenas duas fotos de Alice tomavam lugar nos objetos, enquanto outros rostos se repetiam com muito mais frequência. O homem reparara também que em ambas as fotos, a amada devia ter menos de 15 anos.

- Dona Magda, porque a senhora tem apenas duas fotos de Alice em sua estante?

Fora Sr. Miguel quem respondeu.

- Jorge, sei que você deve estar se fazendo muitas perguntas, mas tem algumas que nunca devem ser feitas. Alice somente trouxe vergonha para nós desde que saiu de casa. Boatos foram espalhados, notícias chegaram as nossos ouvidos e desde então, ela sumiu de nossas vidas assim como sumimos da dela. Foi de bom agrado para ambos.
- Que boatos são esses, Sr. Miguel?

Foi então que Jorge se tocara de algo que havia se esquecido completamente. Pediu licença ao ex-sogro e ligou para Alberto.

- Alô, Beto, preciso que me faça um favor urgente!
- Opa! Mas porque a pressa, Jorjão?
- Depois te explico, Alberto. Só preciso que vá à minha casa e quando estiver lá, me ligue! Não posso dar mais explicações agora.
- Ok, ok! Estou indo agora mesmo...

Antes que a conversa voltasse a tomar seu rumo, Dona Magda - agora ao lado de Sr. Miguel - finalizou a mesma.

- Vá embora, Jorge! Vá, agora.
- Mas, gente...
- VÁ!

E o fotógrafo virou-se em direção à porta. Passou novamente pelo porteiro flamenguista, que agora comemorava o resultado do jogo antes mesmo do fim.

Não resistiu e chorou. Jorge caia em prantos como há muito tempo não acontecia. Lembrava de Alice e tentava entender o porquê de tantas coisas: a ligação entre ela e Carlos, os motivos que a levaram a ser assassinada, o que fizera entre seus 17 e 23 anos... Queria ter a amada de volta, mas sabia que isso já não era mais possível. Seu lado racional aceitava isso, mas o emocional ainda não... Uma dor perfurava seu corpo e seu coração de modo que o homem se contorcia no meio da rua. Não aceitava! Queria-a tanto que aos de fora poderia parecer algum tipo de obsessão, de posse, mas não era. Sabia e sentia que era amor, um amor que nunca poderia ser explicado, somente demonstrado, mas já não via mais formas e nem para quem demonstrá-lo. As lágrimas formavam um rio na maçã de seu rosto.

Seu celular tocara, interrompendo-o de suas ilusões e lembranças.

- Jorge, já estou na porta do seu apartamento, pode falar agora.
- Bom, você vai ter que entrar na casa pegando a chave reserva que fica dentro do vaso logo ao lado da porta.

Mas o historiador procurara o objeto em todos os cantos do vaso e não achara. Informou isso ao amigo, que não entendeu, mas não procurou pensar nisso agora. Como a mesma já não era usada há muito tempo, pensou que Alice poderia ter perdido ou estava escondido em algum lugar dentro da própria casa.

- Você vai ter que arrombar a porta ou entrar pela janela, Beto. Mas preciso de você lá dentro o mais rápido possível. Assim que conseguir, me ligue, ok?
- Mas você mora no 4° andar, seu maluco....

A ligação já havia sido finalizada. Alberto imaginou-se na pele de um rinoceronte e empurrão atrás de empurrão, foi atirando-se contra a porta do apartamento provocando barulhos absurdos em todo o prédio. Já voltava de costas pela sexta ou sétima vez quando algo o atingiu na nuca. Imobilizado, caiu duro batendo suas costas e cabeça no chão.


[CONTINUA...]


Por Pedro Henrique Castro.



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"Meias-Verdades" - Capítulo 8: "O curtíssimo capítulo sobre o maço de cigarros"

Um comentário:

  1. Ansioso pelo capítulo 10. Vai virar Best- Seller.


    Daniel

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